Reflexão sobre o Voto Distrital com Recall
| 6 minutos de leitura.O voto distrital visa facilitar a aproximação da comunidade distrital com o político que será eleito por ela. Essa aproximação favorece o eleitor no acompanhamento do trabalho do político com melhor conhecimento de suas ideias e maior entrosamento. Diferentemente do que acontece na representação parlamentar na qual o político exótico, que tem bastante votos, puxa os outros parlamentares escolhidos pelo partido, mas que a população nem conhece. E os políticos não conhecem seus eleitores. Além de que, pela representação eleitoral, para votar, existe uma infinidade de candidatos, quando no distrito haverá menos e o eleitor avaliará melhor a proposta deles.
Sem se dizer que as campanhas nababescas já revelam implicitamente a corrupção, uma vez que abarca uma grande região dos votantes, enquanto no voto distrital limita-se apenas àquele distrito, com reduzido custo de campanha eleitoral.
Dessa forma, o voto distrital possibilita que sejam eleitos individualmente os membros do Parlamento pela maioria dos votos de determinado distrito geográfico, os quais representarão a comunidade distrital, permitindo maior consciência política desta, além da fiscalização mais próxima dos trabalhos do político que foi eleito por ela. Também evita-se que a minoria tiranize a maioria. E, se o político eleito no distrito não corresponder, aplica-se o recall político e aquele será substituído. Caso não haja no voto distrital a possibilidade de revogação do mandato político, incidirá no mesmo erro político atual em que a autoridade poderá ser ineficiente, inapta, descomprometida com as causas públicas ou praticar determinados atos que agridem a moral pública, contudo permanece até o final do mandato. Será um remédio jurídico sem eficácia.
O voto distrital não é novidade no Direito brasileiro.
O voto distrital surgiu no Brasil com a Lei n˚ 842, de 19 de setembro de 1855, conhecida como Lei dos Círculos: a) as províncias se dividiram em distritos em número iguais ao de deputados que deveriam ter e, assim, cada distrito elegeria um deputado; b) na geometria, o círculo simboliza a perfeição. Como o povo a buscava, na política atribuíram-lhe esse nome.
A “Fala do Trono”, que era a porta-voz do imperador, em 15 de maio de 1860 criticou os abusos que ocorreram com a legislação eleitoral. Denotavam-se o coronelismo distrital, temor reverencial e influência de determinadas famílias.
Como fora alegado que a minoria era totalmente preterida, então surgiu o Decreto n˚ 1.082, de 18/8/60, autorizando as províncias a ser divididas em distrito, porém com três deputados para cada um. Esta lei também foi criticada – o aumento de deputados não produziu os resultados esperados. Observou-se que as pessoas de nível cultural mais elevado e mais preparadas não desfrutavam de grande liderança e perdiam nas urnas para aquelas que possuíam maior popularidade, porém sem condições culturais. A votação acontecia por ser parente, amigo, amigo do amigo, candidato era bonzinho. Assim, o melhor candidato para realizar a melhor gestão administrativa era sempre preterido. E o Decreto de 2.675, de 20/10/75, ficou conhecido como a Lei do Terço – cada eleitor votaria em tantos nomes quanto fossem 2/3 do número destinado à província.
Como o imperador estivesse preocupado com os melhores procedimentos nas eleições, o seu chefe de gabinete, conselheiro José Antonio Saraiva, pediu a Ruy Barbosa para elaborar o projeto, o qual foi sancionado em 9/11/1881 e reavivou o voto distrital. Passou a ser conhecido como Lei Saraiva. Dividiram-se as províncias em tantos distritos eleitorais quanto fossem os seus deputados na Assembleia Geral.
Com o advento da República em 1889, os critérios foram modificados. A Lei n˚ 31, de 26/11/1892, que foi a primeira lei eleitoral republicana, estabeleceu a divisão dos estados-membros em distritos eleitorais de três deputados cada um. Mas a Lei n˚ 3.208, de 27/12/1916, elevou o sistema da divisão distrital para cinco deputados por distrito, porém o município já não era o distrito, mas o estado-membro. Cada estado-membro era o distrito. Criou-se o distritão.
Surgiu o Código Eleitoral por meio do Decreto n˚ 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que extinguiu o voto distrital, porém introduziu o sistema do sufrágio universal, o voto secreto e a representação proporcional, está com base no coeficiente eleitoral e na representação eleitoral. Mas a tentativa do voto distrital ressurgiu em 1958. O ministro Edgard Costa formulou o projeto. A intenção era a possibilidade de que cada município pudesse abranger os outros, criando-se um polo distrital e cada partido registraria apenas um candidato em cada distrito, porém não houve êxito na aprovação.
Em 1960 Milton Campos tentou novamente a implantação do voto distrital, em uma combinação da representação proporcional com a votação distrital. Também não logrou êxito, embora tivesse o voto distrital vigorado por 72 anos no Brasil, período de 1855 a 1932, com interrupção de apenas cinco anos.
Mas voltou à baila com a Constituição de 1969, que no parágrafo único, do art. 148, estatuiu:
Igualmente na forma que a lei estabelecer, os deputados federais e estaduais serão eleitos pelo sistema distrital misto, majoritário e proporcional... (acrescentado pela EC n˚ 22 de 1982).
Todavia, na dança do poder, em um passo para frente, outro para trás, o Poder Constituinte da Constituição de 1988 não aprovou o voto distrital.
Ao invés de representação estadual na Câmara dos Deputados, deveria existir a representação distrital.
Fernando Lara Mesquita analisa com profundidade:
“É exatamente essa a função do voto distrital com recall, instituição que, ao permitir a destituição seletiva de qualquer ocupante do poder a qualquer momento e em qualquer instância sem revolução nem comoção social, consagrou-se como a primeira resposta eficaz ao problema até́ então insolúvel da sujeição dos representantes à vontade dos representados.
Foi ela que salvou a democracia americana, a terceira tentativa do sistema de caminhar pela Terra, de dissolver-se na corrupção de que estava roída na virada do século 19 para o 20 e mudou para sempre a qualidade e a velocidade do desenvolvimento humano.
O voto distrital com recall põe um patrão – você̂, que já lhes paga o salário – em cima de cada deputado, vereador ou ocupante de cargo executivo. Submete-os à mesma lei que vale aqui fora: ou trabalham, e trabalham a favor da “empresa”, ou rua. Põe a direção da política de fato nas mãos do povo.
Acena-se por aqui com o voto distrital. Mas isso é muito menos que meia solução. O voto distrital não é um fim em si mesmo. O que é decisivo é o recall, o poder de retirar a qualquer momento um mandato de representação condicional e temporariamente concedido ao representante eleito. “(*Voto distrital com “recall”: a reforma que inclui todas as reformas – 2. VESPEIRO)”
Evidencia-se que dois instrumentos jurídicos, imprescindíveis à consolidação da soberania do povo e que implementavam os valores da autêntica cidadania, foram alijados do processo democrático – ambos atingiam diretamente o coração dos interesses da classe política.
GALDINO CARDIN | Advocacia Galdino